Mergulhada em um mar de polêmicas, entrou recentemente para o rol anatômico da mulher uma nova personagem que promete chacoalhar os acirrados debates sobre a sexualidade humana: A PRÓSTATA FEMININA! Sim, isso mesmo, a próstata, aquela que antes parecia ser tão exclusivamente masculina, agora também pertence às mulheres. Na verdade, ela sempre existiu no universo feminino, porém só há poucos anos deixou de ser negligenciada, ganhando identidade morfológica e bioquímica, além de especulações sobre suas intrigantes funções.
Ao que tudo indica, os primeiros relatos sobre a próstata feminina foram feitos por volta de 1880, pelo ginecologista escocês Alexander Skene (1873 - 1900). O dito médico descreveu uma estrutura ao redor da uretra, que posteriormente passou a ser chamada glândula de Skene, em sua homenagem. Até então, acreditava-se que esta seria uma glândula completamente vestigial e sem expressão funcional, divergindo da próstata masculina, a qual nunca teve seu papel em dúvida. Nos homens, esta glândula é responsável por produzir uma secreção que constitui cerca de 70% do líquido seminal, o qual promove a sobrevivência e a locomoção dos espermatozóides. Sendo assim, pelo menos no clube do Bolinha, sua atividade está diretamente relacionada à ejaculação. Já no clube da Luluzinha, seu papel é incerto e demanda ainda muitas pesquisas. Aqui no Brasil existem pelo menos três grupos correndo atrás dessa informação, que são as equipes coordenadas pelos professores Hernandes Carvalho (UNICAMP), Sebastião Roberto Taboga (UNESP de São José do Rio Preto) e Luiz Henrique Monteiro Leal (UFRJ).
Os trabalhos realizados por estes grupos nos mostram que a desconfiança de que a próstata feminina não era apenas uma fantasia tomou força quando algumas mulheres apresentaram um tipo de tumor similar ao câncer de próstata masculino. A partir daí, iniciou-se uma intensa busca por essa glândula no aparelho reprodutor feminino, utilizando análises morfológicas e citoquímicas tanto em humanos quanto em roedores. Foi reafirmada então a presença de uma glândula próxima à bexiga, conectada à uretra, com células bastante parecidas às da próstata masculina, e que produz um líquido bioquimicamente similar à secreção prostática dos homens.
Em condições normais, teoricamente, a escassez de testosterona nas mulheres não permitiria que esta glândula se desenvolvesse. No entanto, alterações no ambiente hormonal da mulher que elevem a dosagem de testosterona, seja na fase fetal, seja na idade adulta, podem acarretar o crescimento da próstata. Diversas situações podem gerar esse aumento da taxa de testosterona, como o hiperandrogenismo, o ovário policístico, o consumo de anabolizantes e a administração de deidroepiandrosterona (DHEA - que no organismo se transforma em testosterona) durante a Terapia de Reposição Hormonal (TRH). Quando associados a uma pré-disposição genética, esses desequilíbrios hormonais podem induzir o desenvolvimento de tumores, assim como acontece nos homens. Neste caso, uma diferença entre as glândulas masculina e feminina é que, nos homens, a próstata é envolvida por uma cápsula que limita a dispersão celular, enquanto nas mulheres esta proteção não existe, o que facilita a disseminação de células tumorais pela cavidade abdominal. Por esse motivo, os pesquisadores em Biologia Reprodutiva têm sinalizado para uma maior cautela quanto aos possíveis riscos desencadeados pela TRH.
Se por um lado a descoberta da próstata feminina chamou atenção para tumores antes desconhecidos, este mesmo achado apimentou as discussões sobre dois alvos de muita contestação: o ponto G e a ejaculação feminina. Isso porque, além da próstata já ser considerada uma zona erógena (pelo menos nos homens), os fluidos produzidos por esta glândula nas mulheres são expelidos durante o orgasmo, correlacionando-se intimamente com um alto grau de estimulação sexual. Até o momento, tanto a comunidade científica quanto a população em geral parecem estar divididas no que diz respeito à veracidade destes dois "atributos sexuais" da mulher. No entanto, desde a Antigüidade, encontramos relatos a favor da existência tanto da ejaculação feminina quanto do ponto G. Figuram entre seus defensores personalidades como Aristóteles, o anatomista holandês Reigner de Graaf (1641 - 1673), o qual chegou a mencionar que "a substância (...) torna a mulher mais libidinosa (...) o corrimento causa tanto prazer quanto o da próstata masculina", e o sexólogo holandês Theodor Hendrik van der Velde (1873 - 1973), que em seus manuais sobre o casamento alertava sobre um líquido expelido por algumas mulheres durante o orgasmo. Até mesmo os Anais de Psiquiatria, no início do século XX, chegaram a mencionar a ejaculação feminina, porém como um sintoma de histeria em forma de incontinência urinária.
Mesmo após esses inúmeros relatos, é interessante notar que atualmente é muito comum que médicos e cientistas protestem contra a existência da ejaculação feminina ou do ponto G. Um bom exemplo disso foi dado pela psicóloga Laura Müller, especialista em Sexualidade Humana: "Não há relatos científicos que comprovem a existência de tal ponto no corpo feminino (...) o segredo para a mulher sentir prazer e ter orgasmo se relaciona a questões emocionais. É daí que vem a teoria de que o Ponto G, se existisse, estaria na cabeça e não em um labirinto dentro da vagina". A ginecologista Carol Livoti, autora do livro "Vaginas: Manual da proprietária" (Editora Best Seller), concorda: "não existe nem um leve sinal físico que comprove a existência do ponto G, uma vez que não há diferenças anatômicas ou fisiológicas ao longo do canal vaginal que justifiquem uma maior sensibilidade em qualquer sítio dessa região (...) não consigo atinar ao certo por que motivo alguma mulher gostaria de ejacular, já que ela não tem nenhum órgão que poderia realizar isso na genitália externa feminina. Não fomos criadas para isso".
Na verdade, é possível que tamanha contestação aconteça porque os especialistas esperam que tanto o ponto G quanto a ejaculação feminina estejam ligados à vagina, quando, de fato, de acordo com a localização da próstata feminina, estes atributos poderiam estar relacionados à uretra. Essa possibilidade já havia sido aventada desde 1950 pelo sexólogo alemão Ernst Gräfenberg (1881-1957): "Esta expulsão convulsiva de fluidos ocorre sempre no apogeu do orgasmo e simultaneamente com ele. Se se tem a oportunidade de observar o orgasmo dessas mulheres, pode-se ver que grandes quantidades de um líquido límpido e transparente são expelidas em esguichos, não da vulva, mas pela uretra (...). As profusas secreções que saem com o orgasmo não têm um objetivo lubrificador, pois nesse caso seriam produzidas no início do coito e não no auge do orgasmo".
Por enquanto, os investigadores da próstata feminina estão cautelosos quanto à associação entre este órgão e a estimulação sexual da mulher. Conforme advoga o professor Hernandes Carvalho, as expressões dessa glândula precisam ainda ser estudadas com maior profundidade. Seja como for, algo que não podemos deixar de ter em mente é que, independente de qualquer ponto G ou ejaculação conferida à mulher, esta ejaculação não torna a mulher independente do homem para a reprodução, já que, pelo menos por enquanto, não se conhece nenhum órgão feminino capaz de produzir espermatozóides. Sendo assim, o clube do Bolinha pode ficar tranqüilo, pois pelo um de seus maravilhosos papéis continua garantido!
Quer saber mais detalhes?
1. Wimpissinger F, Stifter K, Grin W, Stackl W. The female prostate revisited: perineal ultrasound and biochemical studies of female ejaculate. The Journal of Sexual Medicine, 2007; 4(5):1388-93.
2. Santos FC, Leite RP, Custódio AM, Carvalho KP, Monteiro-Leal LH, Santos AB, Góes RM, Carvalho HF, Taboga SR. Testosterone stimulates growth and secretory activity of the female prostate in the adult gerbil (Meriones unguiculatus). Biology of Reproduction, 2006; 75(3):370-9.
Texto de Fabiana Bandeira
Neurocientista e colaboradora do Espaço Ciência Viva
Fonte:
http://www.cienciaviva.org.br
Página onde se encontra esta matéria:
http://www.cienciaviva.org.br/arquivo/cdebate/prostata%20femin.htm
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