Liberada a caça

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Rússia legaliza caçada para proteger a
população contra os ataques de ursos
famintos devido ao aquecimento global

por Natália Rangel

Knut está doente. Trata-se do ursinho polar que comoveu o mundo ao ser rejeitado pela mãe, ameaçado de morte pelos próprios ambientalistas que alegavam que ele estava sendo criado com muito mimo e acabou salvo pelo governo alemão que proibiu sua execução. Knut está estressado e, segundo os veterinários, precisa de descanso. Enquanto repousa num zoológico em Berlim, ganhou atenção especial da ONU que o transformou na semana passada em um dos símbolos oficiais de proteção aos ursos. A primeira resposta desafiadora a essa iniciativa veio da Rússia: o governo anunciou a legalização da caça aos ursos polares no país, sob a alegação de que está “resgatando uma tradição secular” que foi banida há cinco décadas justamente para preservar essa espécie da extinção.

O argumento da “tradição” não convenceu e despertou protestos de ambientalistas de todo o mundo. Vieram então mais duas explicações. No campo teórico, o governo diz que assim controlará a matança clandestina. No terreno do pragmatismo, afirma que está protegendo os habitantes do extremo norte do país de serem atacados e mortos pelos animais – desde 2003, três pessoas morreram em ataques de ursos polares famintos. Na verdade, esse é de fato o motivo da legalização da caça e expõe um outro grave problema ambiental: o degelo conseqüente do aquecimento global. Focas e morsas estão vivendo cada vez mais próximas ao continente e os ursos, que delas se alimentam, têm de nadar longas distâncias de seu habitat para alcançá-las. A reação em cadeia natural ficou assim estabelecida: matam-se ursos, que estão com dificuldade de matar suas presas, para que eles não matem pessoas – o que não pode mesmo acontecer.

A caça legal determina que apenas 40 ursos podem ser abatidos anualmente, reduzindo em cerca de 60 o número de animais que vêm sendo mortos de forma clandestina – estima-se que haja aproximadamente 25 mil no planeta. Com a nova lei, no entanto, a questão pode estar contornada, mas não resolvida. Os próprios moradores do vilarejo de Vankarem, que já foi atacado, não acreditam que a legalização impedirá a ação de caçadores clandestinos nem a invasão de animais em busca de alimentos. “Não há como colocar um policial diante de cada urso”, diz o biólogo Vladimir Mikhailov. Assim, diante de um colapso ambiental onde um problema puxa o outro, sorte mesmo teve Knut, que viverá em paz no zoológico de Berlim.

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